
Amarrada e amordaçada, jogada num canto qualquer, Cléo foi esquecida...
Maria Helena se arruma para sair.
Na frente do espelho avalia a roupa sóbria que escolheu. Cabelos presos num coque, maquiagem discreta. Óculos. Está tudo dentro da normalidade.
No trânsito, suas pernas vão e vêm, sobem e descem. Intercalam a frenagem e a aceleração com a delicadeza que lhe é peculiar. O tempo é curto mas a distância é pequena - vai dar tudo certo. Cléo não existe mais.
Maria Helena não a permite mais.
Sinal vermelho, ela pára graciosamente.
Olha no retrovisor interno para conferir os fios de cabelo que insistem em lhe escorregar pela face. Observa a si mesma. Não há tempo para outras preocupações agora, ela pensa. É preciso seguir.
Mas alguma coisa a prende ao espelho. É o seu olhar.
Seu coração dispara e Cléo lhe salta garganta afora, num grito mudo de desejo realizado, completamente fora do seu controle.
Lá está ela.
Elas conversam entre si? É possível.
Se entendem? Não sei, mas acredito que no mínimo um acordo de damas precisa existir.
Se coexistem, ocupam o mesmo espaço, algumas regras são naturais. Cléo é o id, a parte corajosa de Maria Helena.
Abre-se o sinal.
Quem acelera já não é mais Maria Helena.
Cléo assume a direção.
Ajeita novamente os espelhos, solta os cabelos, joga os óculos no banco. Levanta a saia, Maria Helena é séria demais. Atrás do banco estão seus sapatos preferidos. Joga os que Maria Helena escolheu pela janela e calça outros mais elegantes. Maria Helena é cafona demais. Abre mais um botão da blusa, deixando entrever seu colo alvo coroado por uma corrente que brilha à luz da lua. Muda a maquiagem. O batom agora é vermelho. Seus olhos brilham e sua boca tem um meio sorriso de joça.
A noite promete e ela segue avenida afora.
Vai dançar, rodopiar entre a nuvem de fumaça e cor.
Os planos de Maria Helena foram sabotados. Cléo tem outros mais eficientes, mais modernos e funcionais.
Cléo quebra todos os padrões de comportamento que Maria Helena criou para ambas.
Sente-se bonita e amada. Mulher realizada.
Maria Helena agora, não é paradígma confiável.
É a vida delas. Elas são assim. Se revezam no cotidiano.
Onde uma está, não há lugar para a outra.
Não importa o preço que Maria Helena tenha que pagar pelas atitudes de Cléo.
Agora, quem adormece esquecida é ela.
Lila
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuerida Lila,
ResponderExcluirQuanta vontade de estar aqui em seu canto, em seu mundo todos os dias... Tb me sinto parte daqui. Tb sou grato por ter encontrado com a sua poesia pelo caminho! Muito me emocionou seu comentário no Sofia... OBrigado por todo o carinho! Que nossa amizade já tão especial se prolongo e, quem sabe, ainda faremos poesia à quatro mãos...
Então a Cléo e a Maria Helena são água e vinho? Gostei mto deste seu conto. Vc tem um estilo muito especial. Quantas vezes nós inventamos várias Cléos para que elas façam o que nós não fazemos, não é? Talvez, isso é que nos deixa com sabores diferentes nos sentidos... Quem sabe!
Minha grande amiga,
Que vc tenha muita luz em seu caminho e que seu talento continue produzindo frutis tão lindos, verdadeiras obras...
Com carinho enorme,
Seu Amigo da Sofia, Whesley
Obrigada Whesley.
ResponderExcluirO elogio de um poeta tão talentoso me emociona.
Tenha certeza que em algum momento já escrevemos à quatro mãos. Numa esfera que ainda desconhecemos. Creio numa energia que trata de convergir interesses e nem o tempo ou a distância impede que isso aconteça.
Um grande beijo e que Deus continue nos abençoando assim.
Lila