domingo, 19 de abril de 2009

Dia de Cléo


Maria Helena se prepara para mais uma batalha. Sabe que é preciso enfrentar a vida e o preço exato de suas escolhas.
Ultimamente urge que se mate uma serpente todos os dias.
A rotina talvez seja a sua maior dificuldade.
É tudo sempre tão igual...Frutos vermelhos e maduros caem pelo chão sob o impacto do vento. Flores molhadas enfeitam seu quintal e são sempre observadas com carinho.
É calma, paciente. Não adianta apavorar, são cuidados do seu ofício.
No rosto, um sorriso franco e constante. Ela está feliz? Nem tanto assim.
São tantas coisas... Tantas preocupações...
Jornada de trabalhadora e mãe. Amigos a zelar, afazeres do lar.

Enquanto isso, Cléo adormece em leito confortável. Cansada e satisfeita.
Ela não se preocupa se é preciso ganhar a vida, labutar pelo pão.
Na sua cabeça, isso são coisas secundárias e ela entende que na pirâmide de Maslow, essas serão certamente suas necessidades alocadas nos degraus mais altos, sendo portanto, menos importantes. Suas urgências, suas prioridades, são outras... É como se tivesse uma escala de valores, totalmente invertida.
Se vem do Egito, ou de qualquer outra parte do mundo, sua vestimenta precisa ser de seda.

Maria Helena conhece a personalidade de Cléo, luta insistentemente contra ela.
Está aborrecida com seu comportamento da noite anterior. Seu corpo ainda possui os sinais das extravagâncias de Cléo.
Enquanto a primeira trabalha duramente, a segunda viaja do Nilo a Las Vegas em questão de segundos.Às margens do Nilo, ela recobra suas forças, alimenta sua vaidade. Em Las Vegas satisfaz sua volúpia.
Aposta tudo. Não há o medo de perder.

Mas hoje existe sinais de amor no ar da vida de ambas. Sinais discretos, quase imperceptíveis, captados pelas duas.
Uma está ansiosa, a outra reticente.
É chegada a hora de amar... E, nesse ponto, a distância entre elas é tênue.
Não importa que traje esteja usando, ele sempre a considera linda.
Mesmo quando está despenteada, amarrotada, ou coisa parecida.
Se são duas em uma. Suprem e suprimem os desejos, numa desordem absoluta, onde prevalecerá quem possuir melhor argumento.

Ele tem um poder inexplicável de reconhecer à distância, qual das duas virá recebê-lo.
- Como podem coexistir de maneira tão harmoniosa? Pensa ele...
Sabe que o olhar dela ou delas, pode levá-lo a lugares inimagináveis - é isso que o atrai - a surpresa.
Viajante que tem sido, reconhece nessa mulher uma diferença.
Não melhor nem pior, é apenas diferente.
Estuda seu comportamento. Tenta descobrir o quê a faz ser assim .
O porquê do seu amor fugaz e urgente num momento e sua frieza polar no seguinte...
A sua presença discreta e carinhosa e o seu desprezo absoluto...
O riso alegre e em seguida o choro compulsivo.
Ela é louca? Pensa ele.
Não, não é. É sensível e inteligente.
Não seria essa a sua marca?
Não seria a sua facilidade em se valer do cérebro ou do corpo, de acordo com a conveniência do momento?
Ele pergunta: - Quer beber ou amar?
Sem pestanejar ela responde: - As duas coisas. Eu posso?
Não é possível resistir.
Qualquer plano que tenha sido traçado, é imediatamente corrompido.
Essa nuance da sua personalidade o enlouquece.
A bebida não é tão importante. O efeito é sempre o mesmo:Trás Cléo de volta.
E ela reina absoluta.
Como se rainha, nunca houvesse deixado de ser.
E isso é tudo que ele quer...

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Essa é uma estorinha da Cléo - personagem vinda da minha fantasia. A outra, a Maria Helena, foi criada por um amigo - o poeta Joeldo Holanda. Cléo é aventureira e Maria Helena é a executiva, a séria. Ambas habitam um mesmo corpo, e Cléo, sempre que pode, sabota os planos de Maria Helena.

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